Grande Curitiba

Paraná concentra mais da metade dos analfabetos adultos da região Sul: ‘Eu pensava no estudo, mas eu queria ter um lugar pra dormir’

415 mil paranaenses, com 15 anos ou mais, são analfabetos, segundo o IBGE. Conheça a história da diarista Joana que quer aprender a ler e escrever e do João, que após o acesso a alfabetização aos 58 anos, lançou um livro de poesias
3 de fevereiro de 2022 às 09:13

O Paraná concentra mais da metade dos analfabetos da região Sul, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No estado, 415 mil pessoas não sabem ler, nem escrever. Em Santa Catarina, são 135 mil e no Rio Grande do Sul, 246 mil.

Em todo o Brasil, são 11 milhões de pessoas com 15 anos ou mais analfabetas, segundo os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, a mais recente realizada.

A diarista Joana de Fátima da Silva Ferreira, de 58 anos, faz parte deste número. Ela conta que saiu da casa dos pais aos nove anos de idade para trabalhar em uma feira na cidade de Belém, no Pará, onde nasceu.

O desejo de aprender a ler e escrever sempre esteve com ela, mas as oportunidades durante a infância e juventude tiveram que ser adiadas para poder trabalhar e sustentar os quatro filhos.

“Não pude estudar. Sai de casa com 9 anos, dormi e trabalhei na feira em Belém. Eu me criei lá, fui crescendo, me adaptando. Não procurei estudar também porque tive filhos muito cedo. Eu pensava no estudo, mas eu queria ter um lugar pra dormir. O estudo me irritava, porque eu ficava cansada do trabalho, não conseguia aprender também porque não tinha ninguém pra me dar curso. Só queriam que eu trabalhasse,” relembra Joana.

Há alguns anos morando em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, ela conta que deu a oportunidade de estudo aos filhos, que viu os netos entrando na escola e que agora pretende estudar também.

“Eu dei estudo pros meus filhos, não queria que passassem pelas mesmas humilhações que eu. Me dediquei muito a eles. Quero voltar aos estudos depois que acalmar a Covid. Aí as pessoas não vão mais me humilhar por eu não saber ler e escrever.”

Do analfabetismo a poesia

Nascido em Leópolis, na região do norte pioneiro do Paraná, o poeta João de Oliveira, que em breve completa 76 anos, teve a vida dele transformada no ano de 2004, quando tinha a mesma idade da Joana, 58 anos. Ele também decidiu aprender a ler e escrever.

A oportunidade surgiu através do Programa Paraná Alfabetizado, da Secretaria Estadual de Educação do Paraná.

Ele que desde cedo trabalhou no campo com os pais, após casar e ter filhos, foi trabalhar no interior do estado de São Paulo, como cortador de cana. Essa fase, segundo ele, o inspirou a criar poemas. João memorizava e recitava para a mulher ou para a filha que transcreviam o texto para o papel.

“Eu tinha vontade de fazer poemas na época que eu cortava cana. Enquanto eu trabalhava, criava eles. Chegando em casa, como eu não sabia escrever, eu falava para a minha mulher ou filha e elas escreviam os poemas no papel pra mim.”

Estes poemas resultaram no livro “Os sonhos tornam-se realidade”, lançado em 2013, pela Secretaria de Educação e Esporte do Paraná, dentro do programa que ele foi alfabetizado.

“Através do projeto, ganhei de presente a produção desse livro, que eu tive oportunidade de lançar em Foz do Iguaçu. Um sonho realizado”, relata João.

A alfabetização, segundo o poeta, transformou positivamente a vida dele. Por isso, ele acredita que o impacto da educação na vida de crianças e jovens é imensurável.

“Mudou bastante minha vida, muitas alegrias. Tive oportunidade de conhecer nossa capital, que era um sonho. Desde que aprendi a ler, continuam acontecendo coisas boas na minha vida, como por exemplo minha participação em congressos de educação que parecia ser algo muito distante. [SIC] O que aconteceu comigo depois de idoso fez mudar tudo, imagina o quanto muda pra uma criança? Um jovem? O que pode acontecer com eles se eles puderem abraçar a edução desde cedo?””

E a alegria que ele sente, dedica as professoras que o ensinaram a ler e escrever e que ele considera como mães. “São segundas mães, foi isso que representou quando eu pude aprender a ler.

Erradicação do analfabetismo no Brasil

A erradicação no analfabetismo no Brasil é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) sancionado em 2014 pelo Congresso.

Até 2024, a meta é erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% o analfabetismo funcional, que é quando a pessoa sabe identificar os números e letras, mas não consegue interpretar e compreender textos, além de apresentar dificuldade com operações matemáticas simples.

Mas de acordo com a professora, doutora em educação, Janete Ritter, estas metas estão muito distantes de serem alcançadas. Segundo ela, o número de analfabetos têm crescido, em especial dos analfabetos funcionais.

“Embora a meta fosse diminuir, ela aumentou. Como educadora há mais de 35 anos, acredito que a tendência é que esse índice se agrave porque efetivamente as pessoas não estão aprendendo a ler e escrever. O sistema valoriza a quantidade de aprovações e não a qualidade. Não estou defendendo a reprovação, mas que deve existir no processo de ensino, uma aprendizagem efetiva, caso contrário, o número de analfabetos funcionais vai acrescer cada vez mais”.

A professora destaca ainda que outro problema é a falta de programas voltados à educação para pessoas no campo, local onde ela afirma ter o maior número de analfabetos e é um dos fatores que faz com que os números permaneçam em alta.

“A maioria dos analfabetos estão nas zonas rurais, no campo, não estão nas cidades. E aqui (cidade) é tranquilo encontrar uma escola, um local com EJA (Educação para Jovens e Adultos) ou programa de alfabetização. Agora no campo, eu não vou encontrar isso.”

Para ela, que forma professores alfabetizadores a questão é urgente, já que considera a educação algo indispensável na atualidade.

“Eu formo professores alfabetizadores. Hoje a educação não é para você ser alguém na vida, porque a partir do momento que você nasce e tem uma certidão de nascimento, você já é alguém. Mas é para você sobreviver, vivemos em um sociedade letrada. [sic] Ler e escrever é uma questão de sobrevivência. Aprender a ler é aprender a decifrar, a captar, a conhecer, a memorizar, a entender o mundo.” finaliza Janete.

Fonte: G1