Acolhimento, escuta ativa e solidariedade são diferenciais do Consultório na Rua de Curitiba
COM ASSESSORIAS – Numa tarde ensolarada, no Largo da Ordem, em Curitiba, o trailer do Consultório na Rua (CnR) da Secretaria Municipal da Saúde chama a atenção de quem passa. Mesas e cadeiras colocadas à frente do veículo são a recepção desse consultório adaptado para acolher as pessoas em situação de rua que precisam de algum tratamento de saúde.
O trailer conta com um consultório médico, uma sala de curativos e para dispensação de medicamentos, além de um espaço para aconselhamento e escuta das pessoas que buscam o serviço.
Carlos Antonio da Silva Filho, de 37 anos, recorreu ao Consultório na Rua pela primeira vez e estava feliz com o atendimento. Ele vive há oito anos nas ruas da capital e diz que sempre foi bem recebido nas unidades de saúde do Centro da cidade, onde buscou assistência. Já foi atendido na unidades de saúde Ouvidor Pardinho e Mãe Curitibana.
“É a primeira vez que venho nesse consultório e graças a Deus foi um sucesso, fui bem atendido pelo dentista e vou consertar uns dentes que estão faltando”, relatou Carlos. Ele também foi atendido pela enfermagem e deixou o local com o encaminhamento para continuidade do tratamento dentário em unidade de saúde. Na saída, fez questão de dizer: “Foi show. Está de parabéns o consultório.”
Outro homem atendido no Largo da Ordem, de 56 anos, não quis se identificar, pois já estava sendo encaminhado para uma entrevista de emprego pela FAS. Ele buscou xarope para tratar uma tosse. “Eu tenho profissão e meu tempo na rua é temporário. Hoje mesmo vou fazer uma entrevista de emprego e tenho certeza que vou conseguir para alugar um quarto para morar”, disse. “Esse serviço que a Prefeitura oferece pra ajudar quem quer buscar trabalho é muito bom e a médica que me atendeu foi muito atenciosa”, elogiou.
Desafios
Desde que foi implantado o serviço em Curitiba, em 2013, a técnica de enfermagem Giane Luci Mota da Conceição atua no projeto. Responsável pela aplicação de vacinas, administração de medicamentos, curativos, entre outras funções, ela diz que o aprendizado é permanente.
“Ninguém sabia como seria esse trabalho e a cada dia a gente aprende algo novo. O que aprendi é que nós vamos oferecer serviços, mas só vamos fazer o que a pessoa quer. Nada é imposto”, ressaltou.
O terapeuta ocupacional Sanderson Lorenzeti, de 44 anos, compõe a equipe do Consultório na Rua desde 2019 e define o trabalho como desafiador.
“Nós atuamos numa equipe multiprofissional e cada um contribui com o seu saber para atender essas pessoas. É desafiador e muito gratificante quando conseguimos despertar a vontade dos moradores em situação de rua em vir semanalmente para atendimento”, define o terapeuta.
Segundo ele, entender a realidade de cada pessoa e a situação que o levou a estar na rua pode ser o caminho para começar a reinserção social. “Quando conquistamos a confiança deles, tudo fica mais fácil”, finalizou.
Parolin
No bairro Parolin, outra equipe do CnR recebia os moradores de barracos improvisados na rua para testes rápidos e pequenas intervenções de saúde. Os testes rápidos são uma estratégia importante para identificar problemas e imediatamente encaminhar as pessoas para o tratamento, quando necessário. A equipe volante da Saúde utilizava uma kombi da Fundação de Ação Social, um trabalho em parceria para levar atendimento às pessoas em situação de rua.
Um dos testes realizados, de HIV/Aids, teve resultado positivo. Nessas situações, os profissionais estão disponíveis para ouvir a pessoa, orientar para que ela possa cuidar de si mesma e evitar a transmissão da doença a seus parceiros, além de encaminhar imediatamente para o tratamento.
A médica Joana Rohden atendeu Vanderlei (nome fictício) que estava com um ferimento na perna por queimadura. Ele recebeu medicamentos para a dor e voltaria mais tarde para fazer novo curativo com a enfermagem.
Thaciane Basani dos Santos, de 26 anos, fez um teste de gravidez e recebeu o resultado negativo em poucos minutos. Eventualmente, a jovem recorre ao Consultório na Rua para fazer testes rápidos e consultas com a equipe e pegar medicamentos. “Todo mundo me conhece aqui e sabe dos problemas de saúde que eu tenho. Eu gosto do atendimento”, falou.
Há quatro anos no Consultório na Rua, a psicóloga Maísa Baggio, servidora municipal de Curitiba há 30 anos, descreve seu trabalho como uma oportunidade de fazer alguma coisa para as pessoas que, muitas vezes, perderam a capacidade de acreditar em si próprias.
“Muitas dessas pessoas perderam os vínculos familiares e de trabalho por conta da dependência química e desacreditam de si mesmas. Nossa função é dar a elas uma oportunidade de cuidar da saúde para resgatar a autoestima e mudar o foco da vida que estão levando”, explica a psicóloga.
Segundo Maísa, com paciência e solidariedade é possível dar esperança a elas. Nas abordagens, são oferecidos os tratamentos disponíveis para dependência química, os testes rápidos para identificação de problemas diversos de saúde, além do tratamento dentário e orientação de saúde mental.
“A gente abre o leque de cuidado terapêutico e devagar podemos resgatar essa pessoa e reinserir na sociedade, sempre respeitando sua história pessoal, sem forçar nada”, sinaliza. “É um trabalho muito gratificante quando a gente consegue dar esperança a alguém, mas às vezes também há frustração. Faz parte do trabalho do Consultório na Rua”, finalizou a psicóloga.