Grande Curitiba

Audiência pública: mais de 300 árvores serão cortadas na Arthur Bernardes

Sem a presença da Prefeitura, integrantes do movimento S.O.S. Arthur Bernardes alertaram que o projeto do Inter 2 afetará a permeabilidade do solo, gerando riscos
14 de agosto de 2024 às 16:30
(Bruno Spessato/CMC)

Nesta terça-feira (13), a Câmara Municipal de Curitiba promoveu uma audiência pública para discutir o novo projeto da linha de ônibus Inter 2 e o corte de árvores na extensão da Avenida Arthur Bernardes. A mesa foi composta por Laís Leão, arquiteta e urbanista representando o movimento S.O.S. Arthur Bernardes; Adriana Carneiro, representante da comunidade; e Verônica Rodrigues, também representante da comunidade.

S.O.S. Arthur Bernardes: “Escolha de árvores para corte não teve embasamento técnico”

Laís Leão, arquiteta e urbanista representando o movimento S.O.S. Arthur Bernardes, agradeceu à Câmara por trazer o tema para discussão. “Fomos entregar o abaixo-assinado a alguns vereadores e ouvi de vários que se trata de uma luta perdida, mas não acreditamos que seja, portanto estamos aqui para debater soluções para esse impasse”, disse. Laís destacou que 237 árvores serão cortadas apenas no Lote 1 da Avenida Arthur Bernardes, e outras 70 no Lote 5, totalizando mais de 300 árvores. “E há também outro aspecto não comentado pela Prefeitura, que é a impermeabilização de uma extensa faixa de solo. Depois, não podemos reclamar que a cidade está alagando. Uma tragédia anunciada”, afirmou a arquiteta.

Segundo Laís, é possível criar melhorias para o transporte público em Curitiba sem necessariamente cortar mais de 300 árvores. “Estão nos colocando como inimigos dos ônibus de Curitiba e nos acusam de prejudicar o interesse de mais de 200 mil usuários do transporte público. Isso não é verdade. Não se trata de árvores versus transporte coletivo. A questão é árvores e transporte coletivo versus transporte individual”, afirmou. Laís também disse que a escolha das árvores para corte não se embasou em critérios técnicos. “As supostas árvores que ofereceriam perigo estão, segundo a Prefeitura, no espaço que eles pretendem ampliar. No interior do canteiro, não haveria também árvores passíveis de corte? Isso não faz sentido técnico”, argumentou.

“Não estamos sendo ouvidos, mesmo com a proposição dessa audiência pública”

Verônica Rodrigues, artista e ativista ambiental, reforçou a importância da democracia participativa. “Fico emocionada em ver tantas pessoas aqui. Mas, infelizmente, a Prefeitura não está aqui, o Ministério Público não está aqui, a Defensoria Pública não está aqui e nem o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema). Todos foram convidados”, lamentou Verônica. Ela comentou que encaminhou um ofício ao diretor do Gaema indagando se o projeto na Arthur Bernardes estava devidamente acompanhado pelo Plano Diretor de Curitiba atualizado, pelo Plano de Arborização, pelo Plano da Mata Atlântica, pelo Estudo de Impacto Ambiental e pelo Relatório de Impacto Ambiental, assim como pelos laudos referentes a cada uma das árvores que serão cortadas.

“Nenhum desses documentos foi apresentado de forma clara e objetiva. Não fomos e não estamos sendo ouvidos, mesmo com a proposição dessa audiência pública. Isso é uma ofensa à democracia”, disse Verônica. Para ela, seria mais adequado destinar uma das vias já existentes para os ônibus, e não criar uma nova com o real intuito de garantir o fluxo de carros. “Os desafios climáticos são gigantescos e é imperativo preservar áreas permeáveis dotadas de recursos hídricos para mitigar o aumento da temperatura nas cidades”, defendeu.

Verônica expressou perplexidade ao observar que Curitiba, uma cidade que já foi referência urbanística, não considera o custo ambiental para a realização de obras. “Abordamos respeitosamente o prefeito Rafael Greca nas redes sociais, e a resposta que ele nos deu foi: ‘vire o disco, a licitação já foi aprovada’. E eu digo: vire o disco você, prefeito, que está tentando empurrar goela abaixo da população uma obra sem apresentar os estudos referentes aos impactos ambientais”, finalizou Verônica, que entregou à vereadora Giorgia Prates um abaixo-assinado com 5 mil assinaturas solicitando a interrupção das obras.

Para integrante do S.O.S. Arthur Bernardes, audiência da Prefeitura foi propaganda

Adriana Carneiro, engenheira química e moradora nas proximidades da Arthur Bernardes, focou-se nos aspectos ambientais do projeto. “Consegui o link para a licença prévia no site da licitação. Essa licença foi concedida em 4 de novembro de 2002 e tem validade até 3 de novembro de 2024. Mas precisamos ter acesso à licença de instalação e à de operação. As obras já tiveram início, e se eles não estão em posse dessas licenças, a atividade é ilegal”, afirmou Adriana. Para ela, a audiência pública realizada pela Prefeitura não foi um debate, mas uma propaganda.

“Eles apenas citaram onde estariam os links para os estudos de impacto ambiental no site do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), e, na audiência promovida por eles, só foram abordados os aspectos positivos do projeto para a mobilidade”, disse Adriana. Ela ainda mencionou um artigo científico produzido em 2012 sobre as espécies arbóreas presentes na extensão da Arthur Bernardes: 535 espécies nativas e 232 espécies nativas específicas de Curitiba, caracterizando todo o espaço como um bosque da Mata Atlântica. “Estamos atualizando esses dados com a participação de biólogos que começaram um novo levantamento neste fim de semana”, afirmou Adriana.

Participações da população

Délcio Casagrande, presidente do Conseg que abrange os bairros Seminário, Santa Quitéria e Vila Izabel, sugeriu inserir mais ônibus na linha em vez de usar o espaço do Parque Arthur Bernardes para criar uma nova via para ônibus. Ele também destacou a falta de manifestações da Prefeitura quanto ao córrego Vila Izabel. Gabriel Stavis, assistente jurídico e morador do Boqueirão, expressou preocupação com a possível extensão do corte de árvores para além da Arthur Bernardes, afetando outros bairros e resultando em uma perda expressiva de espaços verdes na cidade. Simone Pupo, moradora, lembrou que as praças do entorno da Arthur Bernardes não têm estrutura para receber os jovens, mas o Parque Arthur Bernardes tem. “Esse espaço deve ser ampliado e não diminuído. Ali é o coração daqueles bairros”, disse.

Elói, representante dos povos originários (indígena guarani nascido em Curitiba), afirmou: “Sou da Curitiba Guarani, da Curitiba Kaingang, da Curitiba que não corta árvores”. Ele salientou que, embora os indígenas representem 5% da população mundial, seus territórios abrigam 85% da biodiversidade do planeta. “Um projeto que apresenta o corte de árvores como solução não está oferecendo uma solução”, disse, defendendo que as árvores são entes detentores de direitos. Outra participação popular foi a de Luan, que destacou questões relativas à região sul, como a Reserva Hídrica do Futuro, que abrange os bairros de Campo de Santana e Umbará, e também sobre a Barragem do Miringuava.

Regiane criticou a falta de diálogo por parte da Prefeitura. “Já que o prefeito disse para virar o disco porque a licitação já foi aprovada, vamos embargar a licitação e obrigar a própria empresa contratada a promover uma mediação. Precisamos de uma cópia integral do Processo Administrativo 01.230905/2023, pois nele está toda a documentação da licitação”, propôs Regiane. De acordo com ela, no Portal da Transparência só é possível acessar o contrato da licitação, mas não a documentação anexa ao contrato. “Havendo alguma irregularidade nesta documentação, nós vamos entrar com uma ação popular”, afirmou.

O evento foi proposto pelos vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) e Marcos Vieira (PDT). Também estavam presentes a vereadora Maria Letícia (PV) e o deputado estadual Goura.

Fonte: Câmara Municipal de Curitiba